quinta-feira, 30 de abril de 2009

SONETO DO COMEÇO DE UM VERÃO

.
.
Branco vazio
Branco vazio
Branco vazio
Branco vazio

Dia de sol
Dia de sol
Dia de sol
Dia de sol

Crepúsculo sadio
Crepúsculo sadio
Crepúsculo sadio

noite de ébano
noite de ébano
é verão

quarta-feira, 29 de abril de 2009

QUASE MILAGRE !

.
Parido num parto difícil
progênie negra, nativa, européia
duvidosa
vasta prole o seu bando
cresceu pelos campos
a correr do sarampo
e da peste que aleija meninos

Quase milagre I

Desgraçado!
mil vezes desgraçado.

a vida lhe deu tréguas curtas demais
para descansar
longas batalhas
longas demais
para vencer

Quase milagre

Desgraçado !
Teu fardo é chumbo

Teu caminho é pedra
Horizonte é chuva

Não há planícies só montanhas
Não há descanso só jornada
E ainda vives !

Quase milagre

terça-feira, 28 de abril de 2009

PENSANDO ALTO !

Ai, como eu queria !
como eu queria !
que lesses minha poesia

A crítica como teu beijo
ao meu amor vadio
esse desejo sectário
um trovar de varejo
contexto tardio
do meu imaginário

Ai, como eu queria !
como eu queria !
que entendesses minha poesia

Teu olhar meu reflexo
enquanto revolvo escombros
a procurar um nexo
para essa culpa sobre os ombros
e para o fundo do poço gritas:
te perdôo! para que te agitas ?

Ai, como eu queria !
como eu queria !
que compreendesses minha poesia

Teu corpo me premia
sob uns lençois de seda e fama
o conto, a prosa, a poesia
e como quem verdadeiramente ama
tu me abraças e eu adormeço
num sonho de volta ao começo

Ai, como eu queria!
como eu queria!
que soubesses que é para tí minha poesia

domingo, 26 de abril de 2009

SOBRE UMA ESTRELA

.
.
No vasto céu avistei uma estrela brilhante
e ao querer de longe vê-la
percebi algo intrigante nessa estrela:
parecia emitir um sinal, um apelo
por isso não se mostrava mais cintilante
Passei a observá-la com desvelo
emitindo também sinais, cá distante
pois essa estrela, de repente
tornou-se luminosamente deslumbrante.

Quis perguntar, mormente
por quem brilhas estrela ?
Receoso, calei-me imediatamente
não tinha o direito de constrangê-la
pois brilho de estrela pertence a ninguém
coração de estrela é sempre de alguém

sábado, 25 de abril de 2009

AI, CHORA !

.

Chora, tuas lágrimas doídas
teu pranto sentido
teu riso farto

Chora, este último amor que tens
porque nunca mais amaremos assim
intensamente, eternamente

derrama o teu pranto no conforto do meu colo
pela quantidade que choras
tem volume teu sentimento

choras porque choras, pede teu coração
aflito porque choras, dor no peito
e não morras de olhos secos

sexta-feira, 24 de abril de 2009

TRAGÉDIA À GREGA

.
.
As aríetes estão aos portões
o inimigo ganha as muralhas
meu reino sucumbe
devo capitular ?

Estou só sem defesa
Non tali auxílio
nec defensoribus istis tempus eget
glória de Pirro

Pequei o pecado de Saul
Os mortos me negligenciaram socorro
Tantaene animis coelestibus irae ?

Misericórdia dos vencedores
guardo dignidade
para uma última honra.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

EXTREMOS

.
Extremidade, extremor
extrema-unção, extremismo
extremado, extremamente
extrema-direita
extrémité
extrema-esquerda
extremidad
extreme
extrême
extrem
à parte o sufixo
esse radical que fica
sempre leva à ponta.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

DESCONSTRUIR

.
.
Quando ordenar não constrói
Consertar não corrige
recolocar não conserta
organizar não ordena
transformar não muda
impulsionar não avança

Considere desconstruir

Repare: é a estrutura

terça-feira, 21 de abril de 2009

Mar da Vida

.
.
Mar da Vida

Agora passam medos
ufanos avançam destemidos
longe se foram os sonhos
equívocos atrás dos anos

Passam anos
passam sonhos
lá vai a vida deslizando
num mar calmo de ilusões

E, pois, neste mar azul
de poucas tempestades
navegam angústias
afogam mágoas

domingo, 19 de abril de 2009

Amor e Destino de Jussara

Jussara definhava. Acamou e não se levantou mais. Sua mãe e suas irmãs se revezavam em cuidados e vigília. Tentavam animá-la com convites de passeios, festas, caminhadas, missas, novenas, mas nada de Jussara reagir. Médico fora chamado. Fizera exames diversos, de todos os tipos. Nada encontrara, a não ser uma profunda depressão. Uma falta de vontade de viver. E Jussara não cooperava. Trancou-se num silêncio profundo, alimentando-se precariamente, tratando o corpo com desprezo.
Sua mãe, viúva de longa data, afogava-se em prantos demorados, culpando-se pela incapacidade de ajudar sua filha caçula a superar aquela angústia mortal. Lamentava-se ainda, de ocupar-lhe o tempo com tarefas domésticas e outras que o pai, falecido deixou. Jussara dedicou boa parte de sua juventude a acompanhar e amparar a mãe, e restante da família sempre que era solicitada, ajudando na educação dos sobrinhos, intervindo em desavenças, organizando festas. O tempo de Jussara passara e com ele a beleza, a juventude; se bem que ela ainda era uma mulher formosa, com dotes físicos admiráveis, apenas maltratada pela corrosão dos anos. Todas as suas irmãs – eram três: Rosário, Selene e Margarida – se casaram e geraram filhos, mas Jussara não. Disso Dona Otília, a mãe, se ressentia; tinha receio de vir a morrer e não cumprir a sua missão mais sagrada em vida: encaminhar e casar suas filhas. Jussara tornou essa tarefa mais laboriosa quando, ainda adolescente, se apaixonou por Olavo, um moço convicto de sua solterice, namorador, difícil de “fisgar” no anzol das moças. Também Olavo permanecia solteirão, mantendo um compromisso de namoro antigo, sem fidelidade, com uma donzela de nome Cremilda.
Todos sabiam da paixão não correspondida que Jussara nutria por Olavo, até ele próprio, porém nunca houve, da parte de Jussara, iniciativa em direção a Olavo. Apenas aquela adoração obcecada, de fazê-la tremer na presença dele. Ele a tratava com respeito e educação, quase carinho. Ela alimentava esperanças por conta desses modos do moço. Os dois naquela altura, aos 35 anos de idade, já reservavam o futuro de suas vidas para o que lhes poderia oferecer o destino sem muitas surpresas.
Jussara, naquele estado de moribunda, passou a suspirar constantemente, sem dizer uma palavra sequer. Sua mãe e irmãs acharam por bem chamar um padre para benzer o resto de vida e o espírito que ainda lhe habitavam o corpo. Veio o Vigário a preparar o ritual e convocar toda a família para as orações de ocasião. Todos consternados compareceram e se esmeraram em súplicas por Jussara.
As orações já findavam quando Jussara começou a se debater levemente, levando as mãos ao peito, apertando o coração e a suspirar fortemente. O Vigário, temendo que fossem as últimas manifestações daquela pobre vida preparou-se para a extremunção, precavido que era em seu ofício.
Entretanto, para o completo espanto dos presentes, Jussara começou a balbuciar algo. O Vigário se aproximou, imaginando que a moribunda estive querendo se confessar ou se manifestar em últimas palavras. Pediu misericordiosamente que Jussara fizesse um esforço de falar para que a pudesse ouvir e entender. Ela, então, enchendo de ar os pulmões, num forte e pesaroso suspiro exclamou sem reservas:
- Oh ! meu Deus, será que vou morrer sem me casar ?
Uma comoção tomou conta de todos os que estavam no quarto e não faltaram lágrimas para chorar aquele pesar. As irmãs saíram por um breve momento e, após conversarem, chamaram a mãe e o Vigário. A idéia era realizar o último desejo da querida irmã caçula qualquer que fosse o preço. E seria com Olavo. Ele não recusaria uma caridade dessas, ainda mais com súplica da família abençoada pelo Vigário.
Uma comitiva foi composta para a missão; e deveria cumpri-la logo, pois Jussara, parecia, não dispunha de muito tempo. Assim foi feito. Olavo foi procurado e convencido de sagrada tarefa, com promessa de que logo ficaria viúvo, herdando os bens da falecida e, ainda, livre para contrair, daí a algum tempo, novo matrimônio se fosse o caso. Quem protestou até o desespero foi Cremilda, mas resignou-se depois de ser repreendida até pela sua própria família. Onde já se viu, deixar uma alma como a de Jussara, partir em sofrimento.
A cerimônia foi marcada para dali a três dias, após o médico garantir que Jussara sobreviveria até lá. Jussara, então foi comunicada. Teve uma melhora surpreendente e seu semblante foi ficando menos lúgubre, até que no dia do casamento tinha um ar angelical, a tez rosada, os olhos vivos. Pentearam-lhe os cabelos, maquiaram-na e vestiram-na de noiva com os pés descalços. Era quase um anjo de branco indo ao céu, completamente imaculada, diga-se de passagem.
Aconteceu o casamento. Olavo, num ato de extrema elegância e compaixão beijou a noiva suavemente na boca. Jussara sorriu um sorriso curto, que emocionou sua mãe aos soluços e a todos comoveu. Olavo pediu que todos evacuassem o recinto, pois queria dar à sua moribunda esposa o prazer de estar a sós com seu amado esposo. Ficou algum tempo contemplando aquela mulher a quem nunca tinha dado a devida atenção, acariciando seus cabelos e segurando carinhosamente suas mãos. Pelo canto dos olha de Jussara corriam algumas lágrimas, junto com um acanhado sorriso de felicidade plena. Olavo deixou-a dormindo de exausta. Voltava todos os dias a certa hora pela visitá-la e, cada vez que vinha, notava que Jussara melhorava a olhos vistos. Já conversava animadamente, comia com apetite e começou a acostar-se nos altos travesseiros colocados entre suas costas e o espaldar do leito, até então de morte. Todos perceberam a espantosa recuperação e temiam a reação de Olavo. Ele, porém começou a se demorar mais tempo no quarto e um dia deparou com Jussara de pé caminhando pelo quarto. Reparou nas curvas sob o penhoar que cobria a camisola fina, naqueles dias de muito calor. Como nunca tinha reparado naquela mulher bonita, que o amava ? Olavo, naquele espaço de tempo se afeiçoara Jussara, abraçava-a com ternura, beija-lhe a fronte muitas vezes, quando estavam juntos.
O amor e o destino se aliaram decisivamente neste caso curioso. Jussara se recuperou completamente do mal que a acometeu, tornou-se uma mulher exuberante, uma balzaquiana redimida e feliz. Teve como Olavo uma vida alegre e dois sadios filhos e viveram felizes até que a morte os separou. E não foi a de Jussara. Olavo partiu dessa vida primeiro e deixou Jussara mais de quinze anos viúva, até que se juntou a ele.
A vítima do destino foi Cremilda. Esta entristeceu de tal maneira, que não se interessou por mais ninguém ficando, até os fins dos seus dias, solteira.

sábado, 18 de abril de 2009

Tempo de colheita

.
.
Sonhei que morria e morrendo
supliquei a Deus que me poupasse
da morte e daquele cenário horrendo

Resolveu ele ouvir antes que evitasse
mas não veio pessoalmente escutar
mandou em seu lugar um oráculo

Um ser de olhos diamantados
agitava seu majestoso báculo
ao relato dos meus pecados bramia

Durante todo aquele espetáculo
minh’alma deplorava e gemia
a dor que cada palavra carregava

Na solidão daquela agonia
numa visão espetacular de fatos
o enredo da minha existência eu via

E como num imenso delírio
ora em filme, ora em retratos
perplexo tremia ante os fatos

Ali moribundo a tudo ouvia
o que o oráculo vaticinava
mesmo quase falecido compreendia

Era tempo da colheita aquele dia
da semente semeada
eis por que minha vida findava

sexta-feira, 17 de abril de 2009

PROVAÇÃO DA RUA SANTANA

A Rua Santana
em Itabira do Mato Dentro
não foi a maior penitência
que Deus me deu
minha irmã
anos a gastar pedras de ferro
sobe-e-desce a rua-morro
vai-e-volta do pé da Matriz
ao Valério Doce
primeiro para o Zeca Amâncio
depois ao Colégio de Ma Mère
Cristo na Cruz sempre nos esperando chegar
lá no Pico do Amor
sinal de Deus em meu caminho ?
Eu não fiz promessa desse sacrifício
passando todo dia pelo Ponto dos Aflitos
eu não fiz promessa
A Rua Santana
Não foi única penitência minha
Rosa na janela da casa-da-ponte
linda para os nossos olhares
Rosa fumava, sorria e fumava
onde estará Rosa ?
voltou para roça
e não me quis
Essa penitência que Deus também não quis
é provação de itabirano do Campestre

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quase milagre !

Parido num parto difícil
progênie negra, nativa, européia
duvidosa
vasta prole o seu bando
cresceu pelos campos
a correr do sarampo
e da peste que aleija meninos

Quase milagre I

Desgraçado!
mil vezes desgraçado.

a vida lhe deu tréguas curtas demais
para descansar
longas batalhas
longas demais
para vencer

Quase milagre

Desgraçado !
Teu fardo é chumbo

Teu caminho é pedra
Horizonte é chuva

Não há planícies só montanhas
Não há descanso só jornada
E ainda vives !

Quase milagre

terça-feira, 14 de abril de 2009

Planeta Terra

.

Imerso na escuridão infinita
o planeta avança impetuoso
pela longa trilha rotunda
impassível na própria eternidade circular
numa velocidade de fazer impar

Nos arredores orbitais do astro
um mar de nada e tudo
impio com a vida e a morte
mistura ambas numa receita eterna
inescrutável inaudita
num estado ( ou ação)
que nenhum verbo incoativo
pode exprimir

Sob o olhar desatento do homem
o universo se expande veloz
galáxias se distanciam
nascem os sóis
morrem estrelas

Nessas notícias que chegam
pela luz que viaja
nas trevas do éter desde os confins

Não há nenhum vestígio do criador
a não ser a suspeita de que
existe pelo menos um Deus
orquestrando tamanha obra
ele estaria lá em algum lugar-luz
se distanciando também
cada vez mais longe

Para além da curiosidade
milhares de anos passarão
na procura por Deus
a humanidade condenada
por uma fé
fundamental e abalada
vasculhará o espaço celeste
sem nada encontrar
a não ser seu próprio vestígio
seu próprio destino
de colonizar o universo

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Questão de palavra

.
.
É tudo questão de palavra mesmo
a beleza descreve o olhar que apura
a paixão revela o mudo coração
o grito denuncia a dor que inflinge

É tudo questão de palavra mesmo
o ciúme confesso na mente obscura
o ódio remido no anúncio do perdão
a franqueza desmantela o que a mentira impinge
e a mentira graça a esmo

É tudo mesmo questão de palavra
Cala-te ! palavras engolidas
o corpo fala em gestos
a alma em palavras
intensa a dor no peito
orgulho pisado
campo minado
expressa-te ! palavras explodidas
é guerra
guerra de palavras
insulto, mantra, xingo, canto
interjeição dos sentidos, espanto
urro, clamor da bocas exaurido
o que não é falado não é ouvido

É tudo questão de palavras mesmo
esse discurso do reducionismo
infere singularidade do dizer

domingo, 12 de abril de 2009

Além de que ?

ALÉM DA FOME

Ser o juízo do mundo
enquanto o mundo se diverte
é mergulhar profundo
num oceano inerte

Ademais passa de presunção
coisa da tua arrogância
ensimesmado nessa ignorância
imaginas revolucionar a revolução

Qual revolução ?
perguntarias sem saber
que há uma dentro de cada ser
dinâmica da emoção

E para esta angústia queres repostas
ainda resistes nesta postura radical
desejas ser o último a dar as costas
e te tornares estátua de sal ?
Existe, não respostas, mas pistas
suficientes para que já não desistas
até que o tempo te estorve:
algo mais que a fome te comove

sábado, 11 de abril de 2009

Sonetos aos domingos

SONETO DO CORAÇÃO

Lá longe um tambor ecoa
toque de recolher
dá vontade, com o ouvido à toa
seguir esse tum-tum bater

Invoca essa cadência
a penetrar num turbilhão
toca o clamor da ausência
a marcha por um forão

som longínquo de quimeras
batidas do coração
ato contínuo nas veias, no peito em recessão.

Não falha este velho coração
Continua afora o compasso
Sem tempo, sem exasperação



SONETO DO TEMPO PERDIDO

Contenta da felicidade o pêndulo
nos extremos de corações opostos
nem tanto pela ausência de âmago
que pelos seus mais tacanhos pressupostos

Segue a tocar nos batentes
em freqüência atemporal
balouçando entre virtudes decentes
e o mais escorregadio lodaçal

No limite da felicidade a aventura
encerra o ato desce o pano
para na vida, à certa altura, omitir o profano.

Hora do badalo que produz o tempo
tempo entre os batentes de amor e ódio
vida refém desse tal relógio

O que é eterno ?

.
.
AURORA DO ETERNO


(a Carlos Drumond de Andrade)


De manhã
o Poeta adormecido não despertou
luz do Sol
aurora dos pássaros
claro horizonte
rumor das gentes
nada despertou seu sono
o sonho último eterno.

Acordam palavras órfãs
trovas e crônicas nasceram
não vão amadurecer
frases soltas no tempo
prosas arrependidas
nunca mais vazarão da pena

Noite de lua
cheia de prata de noite inteira
ah! vida matreira
conflitos d’alma
amor exala dos corpos que gemem
o dia vem vindo
outro dia
retrato na parede

Amor eterno
o que é eterno?
Yayá diria ser
eterno é você.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Renascer das cinzas

.
.
CINZAS DO DESPEJO

Foi assim de repente
mamãe descobriu o pulguedo
seguindo indiscretas pistas
até o Quartinho de Despejo:
pulgas se multiplicavam

caçavam por toda a casa
quintal e até vizinhança
cães, gatos, pássaros e gente
sangue quente
praga de pulgas !

De onde vieram tantas ?

Foi a Queixuda ! Feiticeira !
Mamãe desconfiava muito:
a vizinha de baixo

Queixo proeminente
baixa estatura
semblante aflito ainda que calma
Olhar sôfrego incerto
de bruxa

Eu tinha quase catorze anos.
Papai tentou salvar alguma coisa
e havia muita coisa no Despejo
livros, álbuns de família
lembranças do Espírito Santo

A única fotografia da Vovó Hortência
com o Vovô Benedito
felizes mesmo sem saúde
distantes e sem medo
da morte e das pulgas

Papai foi duramente atacado.
Atearam fogo ao Despejo.
Muita gente foi ver.
A fumaça cobriu o céu.
Tudo queimou

Não me lembro da Vovó Hortência
perdi a lembrança no incêndio
perdi também meus primeiros poemas
queimaram ainda em estado bruto
inéditos no meu caderno de sétima série

Foi a primeira grande perda da minha vida
Aí, para continuar
para sobreviver
Tive que renascer
das cinzas do Despejo

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Lembranças de um pequeno burguês

.
.
E procuro agora a raiz
engenho do meu ser
mamãe me ensinava a ser feliz
querer, escolher, querer
apuros da ingenuidade

Papai mestre da infelicidade
ministrava o não-ser
insubmissa ordem do dever
tirou-me a passividade

Foi um crescer sofrido
mas não insosso
tempero ardido
rebelde bom-moço

Daquele idílio operário
tudo, tudo se desfez
até o mais ralo desse colorário
abandonou-me a crítica de vez

E cai o muro
o sonho tinha seu hemisfério escuro
o que resiste é estupidez
e essa vergonha de ser pequeno burguês

quarta-feira, 8 de abril de 2009

PARATÍ

.
.
ENQUANTO TE ESPERO

É longa a espera por ti
Assim, lentamente, tonto de ansiedade
fico a dissecar teu ser

Começo a desmontar tuas partes
a ver o complexo do teu ser orgânico
a conhecer teu intrínseco

Da metodologia da investigação
primeiro é saber se por trás dos teus verdes olhos
enxergas o outro e o mundo colorido
e, pois, se com cor a visão não é míope

Segundo é constatar, na retaguarda da visão
o que dá consistência ao que vislumbras
além da névoa dos sonhos e da ilusão

Faço assim – depois nenhum rigor mais
Procuro, então, pelo mecanismo que faceia teu rosto
suaviza teu beijo e lhe dá um gosto etéreo

E mais:
estudo o comando mágico
que regula a maciez do teu toque
Por último, tento descobrir a fonte líquida do teu cheiro

E tu chegas e me cura.
Eu te remonto e, sem desvendar
o segredo da tua essência, vou te amando.

terça-feira, 7 de abril de 2009

PEQUENINOS

..

CRESCE UM POETA

Quando eu for poeta
quero ser Machado de Assis
um grande romancista
que ser Manoel Bandeira
um grande cronista
quero ser Olavo Bilac
Cassiano Ricardo
Cecília Meireles
Castro Alves
grandes poetas
Mãe ! qual o seu poeta preferido ?
É o Carlos Drumond de Andrade
Vou ser igual a esse aí, viu Mãe ?
Mãe ! me ensina a ser poeta ?

..

MAMÃE, SOU EU ?

Mamãe, sou feio ?
Não queridinho, quem disse ?
Minha testa é grande !
Não é não!
Cabelo ralo !
Só muito lisinho !
Nariz torto !
Afiladinho !
Beiço fino!
Boquinha delgada !
Queixo pontudo !
Queixinho lindo !
Olhos esbugalhados !
Muito vivinhos !
Mamãe, sou feio !
Nenê fofinho !
Que magreleza !
Melhor que gordinho !
Pés chatos !
De anjinho !
Mamãe, eu sou lindo ?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

POESIA EM TODO LUGAR

.
.
Onde tem poesia ?

Vamos brincar de encontrar
onde tem poesia
de noite e de dia
em qualquer lugar ?

Pois bem
observem as cores
que pintam as flores
mas olhem bem

Agora sintam o vento
que gira catavento
faz pipa voar
e árvores balançar

e as gotas de chuva
o doce da uva
o sol da manhã
morder a maçã

Seu cãozinho latindo
seu gatinho esticando
você brincando
a mamãe chamando:
o almoço está esfriando !

Quando chega a hora
você vai à escola
tem prova, e agora ?
quem estuda não cola

Colegas e amiguinhos
se vendo se falando:
tem gente que está namorando !
mas ainda são tão novinhos !

E de noite , quem tem medo ?
tem gente que dorme tarde
tem gente que dorme cedo
Olhe quanta estrela no céu
são tantas que parece véu

E o sono chegando
seus olhos fechando
um sonho vai entrando
o breu cobre a folia
Ai, boa noite poesia !

domingo, 5 de abril de 2009

POR UNS OLHOS CLAROS

.
.
PEQUENA SEDUÇÃO

Fulguram luzes, viajam leiseres
quando teus olhos procuram
o objeto dos teus desejos.
Os teus olhos curam !

Citilam cores femininas
riscam o éter estrelas luzentes
Como o céu lhe entrou pelas retinas
menina ?
Mirá-los ( teus olhos)
é impacto de astros cadentes

Porque me olhas de um jeito
penetra meu couro
me arde o peito ?

“Tolo, é só uma pequena sedução
provoco a ti, às vezes
para disparar meu coração”
dizes

sexta-feira, 3 de abril de 2009

EXISTÊNCIA

.
.
INSULTO À EXISTÊNCIA

Afora o que amealha a riqueza
afora o que agride a violência
afora o que alcança o talento
afora o que afortuna a sorte
da emoção ao contento
resta um esperar lento
do nascimento à morte
resta com muita certeza
um insulto à existência
um existir medíocre
um viver biltre
de atrofiar a beleza
de cultuar avareza
nascer sadio e morrer doente
de corpo e mente

intacto dote de sentimentos
desperdício
esperança impacto da rebeldia
suplício
resposta ao chamamento
palavra
a boca chama
grito
o tempo crava
sangue
muros da covardia
limite

afora o que a ousadia
permite
tudo não feito
encerra
nesse corpo perfeito
alimento de terra

quinta-feira, 2 de abril de 2009

PORQUE PORQUÊ POR QUÊ PORQUE ?

.
.
PORQUÊ DE TUDO

Mira teu olhar agudo
onde há convicção e clareza
mas mira atento e mudo
veraz o olhar absurdo
desconstruir a certeza
Acabou teu tempo de surdo

As coisas te farão barulho
como um imenso vagalhão
expostas ao esbulho
as verdades desaparecerão
nada mais soará razoável
mesmo o mais provável !

Em tua cabeça onde havia
uma fé reprovável de se ter
uma semente de sabedoria
pedirá para brotar e crescer
uma fome rotunda de saber
pedirá o por quê
porque tudo assim seria

Porquê de tudo não há !

Há sim nessa criação
um curioso descompromisso
com a verdade e a informação
qual se Deus fosse omisso
sobre o ser e a existência

E o tudo é experimental

ser, viver, saber, morrer
porque o limite é fundamental ?